Amigos Imaginários: Filme é considerada um dos melhores do ano para o público infantil
O ditado “não julgue um livro pela capa” é sábio, mas costuma ser deixado de lado no momento em que o espectador precisa escolher algo para assistir. Afinal de contas, cartazes, trailers e afins geralmente são os responsáveis por despertar ou afastar o interesse do público. Com isso, “Amigos Imaginários” é um curioso projeto que proporciona exatamente o que promete, mas afasta a indiferença da previsibilidade com emoção em meio a uma celebração à imaginação.
O filme acompanha Bea (Cailey Fleming), uma jovem que passa por um momento complicado que a leva de volta à casa da avó (Fiona Shaw). Tudo muda quando ela passa a ver amigos imaginários – ou Migs – que perderam contato com as crianças que os criaram. Ela então parte em uma jornada para ajudar essas criaturas junto a Cal (Ryan Reynolds), um vizinho que também os enxerga.
O conceito de “Amigo Imaginário” é tão amplo e universal que, a essa altura, o público já tem uma bagagem sobre ele, adquirida com vivência pessoal e em várias outras obras. Esse conhecimento não escapa ao filme, que inclusive incorpora e celebra alguns de seus predecessores no tema, direcionando esforços para tornar a experiência marcante, mesmo que não seja revolucionária.
Essa abordagem dá o tom de toda a jornada de Bea. Como diretor, roteirista, produtor e parte do elenco, John Krasinski deixa claro que “Amigos Imaginários” é descendente direto de blockbusters clássicos, em que pessoas em crise – especialmente crianças – encontram refúgio em um mundo mágico. Porém, o cineasta é esperto o bastante para se apropriar desse conceito para utilizá-lo no mundo atual.
Afinal de contas, os problemas e reflexões podem ser antigos, mas o mundo em que vivemos na década de 2020 é bem diferente daquele retratado nos clássicos oitentistas que inspiraram o projeto, por exemplo. Esse entendimento é um dos temperos que dão sabor à produção, que se apropria do agora em diferentes níveis. O primeiro deles aparece já nos tais amigos imaginários.
A forma como o filme dá vida aos Migs é encantadora e empolgante. Mesmo com foco em Blue e Blossom, apresentados logo no início e donos do maior tempo de tela, o longa encontra espaço para outros amigos, cujos designs ou participações na trama os tornam marcantes à própria maneira. Especialmente porque Krasinski cria situações calcadas no humor ao qual está acostumado a fazer desde “The Office”, mas de uma forma que encaixa com a proposta infantil de acompanhar seres mágicos procurando por um rumo.
Visualmente, o longa também se sai bem ao trazer um conceito tão abstrato quanto o de amigos imaginários para o live-action. Com a responsabilidade de dar vida a criaturas que podem sair da imaginação de crianças, o estúdio de animação Framestore brilha ao criar personagens com composição e texturas tão diferentes sem perder o senso de unidade.
Um trabalho que é valorizado pela direção, que utiliza as criaturas o máximo possível em sequências desenhadas para destacar suas identidades e características mais fortes. Ainda que a principal seja a comédia, são vários os momentos em que os Migs dão as mãos a Bea para criar momentos verdadeiramente emocionantes.
Essa constatação rende elogios também a Cailey Fleming, jovem atriz que precisa transitar entre diferentes emoções enquanto contracena com criaturas feitas em computação gráfica. Afinal de contas, o filme nunca perde de vista a jornada pessoal da personagem, mesmo quando parece desviar dela para focar nos Migs. E aí retornamos à atenção do filme em trazer conceitos universais, mas com uma identidade própria.
Como todo “filme família”, “Amigos Imaginários” conta uma história que fala diretamente a crianças e adultos. Ao primeiro grupo, a produção oferece uma aventura fantástica, cheia de personagens coloridos, e um alerta sobre a importância da infância. Afinal de contas, todas as gerações passam pelo mesmo processo de querer crescer o mais rápido possível, abandonando “coisas de criança” por vergonha – um processo que parece acelerado no momento em que telas hipnotizam e se tornam companheiras para todas as horas.
Felizmente, os envolvidos são espertos e utilizam a questão não para moralizar a garotada, mas como um dos motores para a trama e a tratam com carinho. Mais do que uma pregação sobre como os pequenos devem agir, o longa incorpora à trama a importância de dar uma chance ao lado “criança” sem um pingo de vergonha ou ironia. Algo que chega também aos mais velhos.
A fantasia pode ser aliada poderosa quando as coisas não vão bem e a gente precisa de uma forcinha. Afinal de contas, o mundo “adulto”, com a correria de deveres, responsabilidades e prazos, pode se tornar um pouco mais tolerável com a ajuda dos mundos que vivem dentro de nossa cabeça. Porém, há um certeiro cuidado para que essa mensagem não vire uma ode à nostalgia, que tem seu valor, mas pode se tornar paralisante se tratada como única forma de ser feliz.
Dessa forma, “Amigos Imaginários” conquista pela forma franca que celebra a imaginação. Uma mensagem simples, mas entregue de maneira prática ao executar uma viagem a um mundo fantástico — ou ao trazer o fantástico para o nosso mundo — em um espetáculo que diverte e emociona. Uma simplicidade que pode até não reinventar a roda, mas que conquista ao fazer um lembrete, sempre necessário, de que há infinitos mundos a explorar – basta a gente ter a coragem de criá-los.